quarta-feira, 3 de setembro de 2008


Anônimo Veneziano

É.
A beleza é o anteparo da Morte e da Loucura. Ela nos poupa a entrada num mundo onde ou desconhecemos a fala – onde a comunicação não é possível ou é muito difícil o entendimento.

Anônimo Veneziano – baseado no romance homônimo do escritor Giuseppe Beto, tem roteiro magistralmente desenvolvido pelo diretor Enrico Salerno..
A beleza feminina de Veneza nos dá a mão para atravessarmos esta história de perda. Morte da vida, morte do amor.
A decadência de Veneza – hoje em dia já bem mais restaurada – nos ensina que o tempo destrói porém a memória se mantém intacta - lembranças, sítios arqueológicos e sem data definida que incomodam o presente de forma invasiva e surpreendente.
Um casal nunca é desfeito quando as lembranças ainda se apresentam despudoradamente.
Sempre formamos par com alguém para rodopiarmos na dança da Vida.
Um casal se desfaz. Não importa de quem foi o corte – nesse caso não gosto de usar o termo ‘culpa’. Têm um filho dessa união da juventude, vivida com amor e desejo. Agora, separados, vivem em cidades quase vizinhas; ela em outra união e ele ainda só.
O reencontro ocorre por um chamado desse ex-marido para (pressupomos) um derradeiro encontro. Ele está com pouco tempo de vida e esse pouco que lhe resta será extremamente penoso – um tumor inoperável no cérebro. Tragédia na medida certa!

A paisagem da Veneza decadente é a metáfora...ora bolas, mais que metáfora... é o belo, sedutor e apaixonado amor vivido num passado da gloriosa juventude – como todas as juventudes...
E o filme é um excelente parcour por Veneza enquanto rememoram a paixão que, numa noite, volta insistente e atrevida a unir o casal. A cama - leito de carícias ou arena de indiferenças - naquele último e lamentoso encontro, passou a ser um leito de morte: da vida e do amor. Nada mais resta a fazer senão um doloroso adeus.

Mas, Ó vós, homens de fé apoucada, o filme é lindo e ao final temos vontade de sair amando não importa quem. Porque si l’important c’est la rose, o importante é amar!

A música é enlouquecedoramente romântica. Do Concerto para oboé de Marcello, compositor italiano do século XVIII, peça belíssima e rara de ser encontrada em CD, o maestro Stelvio Cipriani recriou terna melodia para a música incidental do filme.

Florinda Bolkan, pasmem, trabalha direitinho e até ganhou um Donatello! Superior desempenho vai para seu parceiro Tony Musante, ítalo-americano que sumiu no tempo e no espaço mas jamais da minha memória. Dizem que trabalha em seriados. Peccato!

Enrico Maria Salerno é o personagem Zenone do “Exército de Brancaleone”; sua voz tão insinuante e carismática é a dublagem de Jesus Cristo no “Evangelho Segundo São Mateus”, de Pasolini. Que eu me lembre, o outro filme que ele dirigiu e que veio para o Brasil é “O pássaro de plumas de cristal”, também com Tony Musante.

Anônimo Veneziano. Non dimenticare mai!
Vale a pena uma ida à locadora de sua preferência. E se apaixonem, caso tenham tempo.

2 comentários:

Cris Carnaval disse...

Como explicar ao lúcido a paixão?
Ainda bem que todo dia eu me apaixono, mas não sei por quem. Só para não perder o costume e estar sempre pronta para quando chegar de verdade. Bjos!

Anônimo disse...

Era bem pequena quando você já falava desse filme. O título soava sinistro - um sem nome de Veneza.
Enquanto a maioria das mães curtia "Selva de Pedra", a minha falava de filmes, peças e músicas que provocavam minha imaginação.
E foi assim que cresci. Percebendo que a minha mãe era a mais especial. Taí o blog que não me deixa mentir.
Á propósito, até hoje não vi o filme. Ótima dica para o dia chuvoso de hoje, ao lado do meu português chamado Manoel.
Te amo mãe!
Mili