sábado, 14 de julho de 2012



O WOODY ALLEN QUE EU VI.


"Le cinéma substitue à notre regard un monde qui s'accorde à nos désirs"
André Bazin



Sim, cada um vê o que quer, o que pode ou o que deixam.


O fanatismo barra a razão. E de Woody Allen sou fã de primeira fila de estreia.Então...




PARA ROMA COM AMOR

O filósofo espanhol Jose Ortega Y Gasset, falando da comédia: A comédia aflora quando o trágico submerge.

Talvez seja por isso que sempre vejo os filmes de W.A. como o trágico travestido de comédia. E não são assim os filmes do mestre Chaplin?


O filme abre com um gracioso e hilário guarda de trânsito - é ele quem anuncia como o filme vai ser - morbido e romano = suave, condescendente e lindamente sensual.


Roma é imponente e imperial. Convivem com soberania e elegância o passado e o atual. E Woody Allen solta-se na beleza ocre real de Roma, graças a uma fotografia de mestre.


São 4 histórias vividas por americanos e por italianos, nem todos de Roma. Narrativas simples, amorosas, simpáticas e em situações engraçadas.


Além da minha desesperada paixão por W.A. tenho a mesma e desesperada paixão pela Itália, e Roma é a capital!
Tantas e tantas vezes a visitei, ainda assim a cada vez a cidade é uma deliciosa e pródiga desconhecida.


W.A. deu entusiasmado passeio pelo centro histórico de Roma, perdendo-se romanticamente pelas antigas ruelas e piazzas; e a volo d,uccello, ou do alto, mostra a Roma dos turistas.

Não sei por que no filme  a Via dei Neofiti, onde mora o estudante e onde morou o arquiteto, é dita estar em Trastevere. Jamais! Conheço bem a rua que fica perto da Igreja de San Pietro in Vincoli (onde está o "Moisés" de Michelangelo), no centro antigo de Roma. 


A praia de Óstia, as ruínas do Forum, a Porta Setimiana em Trastevere, o Largo di Torre Argentina, algumas das inúmeras fontes romanas, a Villa d’Este com jardins de contos de fada, a Piazza del Popolo e suas igrejas quase gêmeas. Beleza de tour!


Ao início do filme o guarda-bailarino está dirigindo (?) o trânsito na Piazza Venezia, e logo atrás dele está o Palazzo Venezia onde, na janela do meio, Mussolini falava ao povo romano.


O personagem de W.A. diz no filme: “dinheiro dá prazer...” Se eu o tivesse fácil teria saído do cinema diretamente para Roma.


Saboreei este filme como um inteligentíssima celebração à banalidade. E cada história é um conto exemplar de easy come easy go.


Logo ao iniciar, o personagem de Roberto Begnini vê na TV a seguinte chamada: no programa*** entrevistaremos o Primeiro Ministro da Inglaterra, a Miss Universo e Brad Pitt.
Caramba! Que mistura no mesmo patamar!Há igual valor para um ministro de estado, que pode decidir o sucesso ou o desastre de uma nação, para uma miss e para um ator da moda.

O rapazinho estudante de arquitetura recebeu de graça uma mocinha oferecida que o seduzia, deixando-o hipnotizado, pelas narrativas eróticas de performances sexuais. Mas ela logo foi-se embora, levando com ela as frases feitas e o charme ensaiado; esvaziou-se e saiu voando como uma boneca inflável que na realidade ela parecia ser.


Ele, todo o rapazinho, é um neófito nas ladeiras do desejo; vai quebrar muitas vezes a simpática cara, mas vai também se divertir muito. Não adianta nada o Ego, representado por A. Baldwin, aconselhar jovem com tesão - o Ego que se dane! Há muito tempo pra aprender o que não se ensina - escolher o melhor no amor. Cupido é criança levada e inconsequente que atira flechas a esmo para se distrair! 


O recém-casado é um inseguro e tolo, aterrorizado pelos tios ricos que lhe dariam um bom emprego. Veio-lhe quase compulsória a ajuda da família. Mas ele se perdeu entre medos e fugiu da cidade grande, que tanto lhe prometia. A chance lhe fugiu entre os dedos, melhor dizendo, entre as pernas.

A recém casada - ela quer é ter uma aventura romântica, com tudo que tem direito, para encantar os futuros netos. Se ela não se entregou ao “glamour” de um ator de mau gosto explícito é porque foi salva por um deos ex-machina de respeito! Um ladrão lindo, personagem de um assalto picaresco (corram para o dicionário). Que excitante história para ser contada e enfeitada! Ela está sendo, sem maledicência, a futura nonna que tanto se sacrificou para encantar os netos com edificantes momentos da sua juventude.


Brilhantemente apresentada o que é a fama hoje em dia - na maioria é sem nenhum porquê - no episódio protagonizado pelo excelente R. Begnini - “o idiota no caos”, como um ganhador do Big Brother. O sucesso é como crack, vicia na primeira vez.Esse epísódio é exemplo vivo do easy come, easy go.


O “papa-defunto” tem medo do sucesso e, coitado, ele gostaria de continuar no palco mas a família, egoísta e covarde, o prefere cantando no chuveiro. Ninguém ali quer se arriscar a uma crítica negativa. Preferem continuar com o talento doméstico no banheiro. Lugar seguro.Esse ficou unicamente com o efêmero e a fama foi rapidamente desprezada. O sucesso assusta quando nos exigimos nele um lugar cativo. O adubo do sucesso, que faz brotar um vigoroso talento, é a humildade.Opinião.
Mas aquele rapazinho lindo, desde “O Sonho de Amor”, esse está ainda mais lindo!

E o personagem de W.A., que ficou com todas as boas piadas, é um fracasso “recorrente”.


Woody Allen sabe apresentar a banalidade, a mediocridade, a neurose com muita sabedoria e ainda faz a gente rir.


Deixei para o final!
A Prostituta é a única personagem que sabe o que quer, deu soluções acertadas para o recém-casado idiota, ensinou-lhe alguns truques melhorando-lhe o desempenho no leito conjugal, e é uma profissional de sucesso! Não tem medo da vida e de ninguém. Será que é por isso dizerem:”quem nada tem a perder só tem a ganhar”? Sei não.
Não é este o primeiro filme em que W.A. desenha simpaticamente a personalidade de uma “profissional do sexo”.Em “Desconstruindo Harry” ele também apresenta uma prostituta negra que é de uma calma segurança de 30 anos de análise.
Pois é...não sei se ele gosta, não sei se ele admira, mas me parece que respeita o profissionalismo no sexo.


Além de levar o sexo a sério (vide parágrafo anterior) uma abordagem sobre religião está presente em quase todos os seus filmes. No caso, é filosofia pura quando diz, apavorado com a turbulência: ‘...e eu sou ateu!”


Em meio a árias de famosas óperas brilha um trumpet - “When your lover has gone”.


O Woody Allen que eu vi é uma celebração da banalidade num filme encantador.













Um comentário:

Anônimo disse...

Brilhante! Acho que é isso - se a idade traz a dificuldade da visão, a maturidade traz a facilidade de enxergar a leveza, a banalidade e as maravilhas da vida!
Mas, claro, só para os mais dotados.
Parabéns e obrigada por reativar o blog.
Caçula Manu